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18.5.07

A floresta das 1001 plantas sagradas


(mais uma das loucas aventuras de um Coronel e seu reles lacaio)

Às vezes você recebe um chamado da aventura e, com alguma sorte, não é por engano. Outras vezes você descobre que a aventura te ligou para oferecer um novo cartão de crédito, com isenção da primeira anuidade.

Não me perguntem qual é a sede de adrenalina que me move, só sei que é impossível resistir ao chamado da aventura (tanto que já tenho 8 cartões de crédito).

Na última semana meu telefone tirintou e, ao atender, senti no âmago de meus nervos que eu estava sendo novamente chamado. Tive esse pressentimento logo que perguntaram "por favor, o Adriano Vannucchi está?"

Reconheci a voz e a fleuma coloquial rebuscada no falar... Não era outra pessoa senão o Cel. Von Lehmann, um legítimo capitão Ahab na sua obsessiva busca pela decoração perfeita.

"Servo meu!" - ele disse - "Você é a pessoa perfeita pra me acompanhar em minha nova aventura! Uma grande busca pela oportunidade e bênção vegetal! Esteja amanhã, 4:30 da manhã, aqui em minha Choupana Tiki!" - e desligou. Fiquei estupefato. Uma nova aventura! Qual seria? Bênção vegetal? Então o telefone tocou novamente. Atendi e então ouvi novamente a voz do Coronel: "E venha com seu carro!" e desligou.

Foi deveras frustrante acordar 4:00 sem nem saber onde íamos. Quando eu o peguei em sua colorida choupana, ele pulou dentro de meu Gol bolinha e pronunciou: "Vamos no lugar certo para encontrar o verde, comunicar-se com os vegetais, comprar flores e capins pra suas palhoças! Vamos ao mais sagrado de todos os entrepostos comerciais onde o dinheiro verde te compra plantas furta-cores! Um legítimo shangri-lá dos fotossintéticos!"

Após mais uns 10 minutos de adjetivos, o Coronel afinal explicou: "Estamos indo ao CEASA! Um grande prédio na sacra rodovia urbana conhecida como Marginal Pinheiros, São Paulo, indo no sentido Marginal Tietê, um pouco depois do Shopping Villa Lobos!"

Admito que na hora não entendi pra que acordar tão cedo simplesmente pra comprar umas hortaliças, mas então o bom Coronel me explicou que em apenas dois dias da semana (terças e sextas) o CEASA abre espaço para uma Feira de Flores e Plantas Ornamentais.

Também não entendi por que não ir então na porra de uma floricultura (desculpem o "porra", minha formação de cinema nacional me oprime...) e ele explicou que é nessa feira que as floriculturas se abastecem. Ou seja: no CEASA você consegue plantas mais baratas e mais frescas que nas floriculturas. E o melhor de tudo: sem ter que agüentar na porta aqueles horrendo luminosos neon vermelhos imitando letras escritas a mão!

Já estava começando a entender melhor nossa missão. Me perguntei se o bom Coronel estava afinal tentando me ajudar a decorar minha casa recém-alugada. Estava perdido em devaneios, pensando em como transformar minha sala ainda porcamente mobiliada em uma mini selva tropical (ainda que mal mobiliada) quando percebi algo estranho... Embora de 100 em 100 metros o Coronel colocasse o nariz pra fora da janela e falasse que o cheiro de clorofila mostrava que estávamos próximos, nada de ler placas dizendo "CEASA - PARA LÁ!" O Coronel então me contou que quando os colonizadores chegaram eles mudaram o nome do lugar, tentando acabar com suas raízes sagradas. E é por isso que as autoridades (e as placas, indicadores opressivos de uma sociedade autoritária e sem respeito pelas tradições) chamam o local de CEAGESP, apesar de os locais ainda se referirem ao átrio sagrado como CEASA.

Enfim chegamos. Nos atrapalhamos um pouco com o estacionamento (dias de ritual florístico sempre trazem fiéis de longas distâncias) e então entramos na Feira. Um espaço de aproximadamente dois campos de futebol cheios de diversos tipos de plantas.

Já na entrada demos de cara com uma palmeira de 3 metros de altura. "Veja essa planta!" - disse o Coronel, deixando-me em pânico com a possibilidade dele querer colocar aquele monstro clorofílico dentro de meu reles Gol - "a sagrada palmeira, de fins medicinais e ornamentais, cujo único jeito de ter sido colocada aqui é com a ajuda de nossos deuses astronautas, pode ser comprada por pouquíssimo dinheiro! Servo? Ajoelhe-se e ore para a palmeira!"

Ficamos então andando entre as plantas. Tem de tudo e todos os tamanhos. Por 15 reais você compra um cactus grande ou uma caixa com vários pequenos. Flores de diversos tipos e preços. Hortênsias, rosas, margaridas, perpétuas (minha mãe ganhou uma!) e tantos, mas tantos girassóis, que Van Gogh ficaria tão louco num lugar desses que seria até capaz de cortar uma orelha. Erm... Ou as duas... Ou outra protuberância corpórea, sei lá...

A diversidade é o grande ponto aqui, tem plantas ornamentais de todos os tipos, desde as grandes até as pequenas, das floridas até as rasteiras, das bonitas até as feias. Diga-se de passagem que até as plantas listadas nas sábias palavras do Dr. Arruda são facilmente encontradas por aqui, desde que você saiba como elas se parecem, pois o CEASA não é para amadores, nenhuma plantinha é etiquetada. Por via das dúvidas, antes de sair, pesquise na internet caso você não saiba a aparência da planta que te interessa (é como diz o interessante ditado em latim que nos foi legado pelos gregos: "Procurarum Internetum Googlum Bacanum Est").

Os preços são bacanas, mas você tem que saber conversar na língua dos nativos. Um vendedor tentou nos tratar como turistas e cobrar 60 contos numa planta que custava 15 na barraca seguinte. Outro, no entanto, oferecia tantos brindes e extras que fugimos com medo de que tentasse colocar favores sexuais na barganha.

Não dá nem pra ter medo de comprar muita coisa. Caso o peso esteja muito grande, carregadores locais ficam passando e alugando seus carrinhos e serviços para os turistas de braços finos.

Ao lado da feira, ainda temos um anexo de adendos do cultivo de plantas embelezadoras e outras aleatoriedades... Vasos, terras, estranhos artefatos da cultura local (como globos cheios de espelhinhos ou dragões de madeira) e mostras da alimentação da região: deliciosos pastéis com caldo de cana!

Dependendo de onde você se encontra em SP, o CEASA é longe. Verdade... Pra piorar, tem que ir cedo, muito cedo... No entanto, o sono pode ser combatido com o auxílio de simpáticas vendedoras que, com suas cuias térmicas, oferecem cafés já adoçados que te acordam mais do que uma boa dose de heroína pura injetada no olho.

E vale a pena explodir seu fígado com tamanha beberagem. Longe e mandatário de hercúlea madrugação que seja, a oportunidade e diversidade são de deixar insana qualquer pessoa que ache que plantas servem pra mais coisas do que cobrir a pizza margherita. O ideal é ir pensando em comprar mais plantas de uma única vez, ou ir de bando.

Graças à oportunidade que me foi dada pelo bom Coronel Von Lehmann, minha casa nunca mais será um ambiente sem vida e inóspito! Eu comprei até mesmo uma plantinha carnívora!

Conhecer tamanho paraíso sagrado do mercantilismo ecológico foi mais uma experiência única propiciada por esse meu ídolo. Satisfação próxima dos 100%!

Digo "próxima dos 100%", porque quando o bom Coronel foi tirar uma foto minha segurando minha planta carnívora, a mal-agradecida comeu meu mamilo direito...

Seu eterno servo
(escrevendo diretamente da sala de espera do cirurgião plástico)
Adriano Vannucchi

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